Michael, Arthur e o Graal
(...) Em nossa época o impulso do Ser conhecido na terminologia cristã como arcanjo Michael é responsável pela condução espiritual de nossa civilização. Esta direção Michaélica da vida espiritual – se assim a pudermos chamar –teve seu início por volta de 1870 e foi precedida pela regência de Gabriel, como já lhes disse. Eu agora vou falar-lhes algo acerca de alguns aspectos da presente época Michaélica.
Sempre que Michael envia seus impulsos à evolução humana terrena ele é o portador de forças solares, das forças espirituais do Sol. Isto está conectado com o fato de os homens receberem durante o estado de consciência de vigília estas forças solares em seus corpos físico e etérico.
Na presente época de regência Michaélica – que principiou há relativamente pouco tempo e que durará por três ou quatro séculos – isto significa que as forças cósmicas do Sol penetram diretamente nos corpos físico e etérico humanos. Aqui poderíamos perguntar: Que espécie de forças, que tipo de impulsos são estas forças cósmicas solares?
Michael é essencialmente um espírito solar. E ele é o Espírito cuja tarefa em nossa época é suscitar um entendimento mais profundo e esotérico das verdades do Cristianismo.
Cristo veio do Sol. Cristo, o Ser do Sol, habitou na Terra no corpo de Jesus e vive desde então em comunhão supra-sensível com o mundo dos seres humanos. Porém, antes que o Mistério ligado ao Cristo possa revelar-se à alma, a humanidade precisa estar suficientemente madura. Este necessário aprofundamento será em grande extensão, atingido durante a presente era de Michael.
Ora, sempre que forças solares atuam sobre a Terra, elas estão invariavelmente ligadas ao impulso que flui à civilização terrestre como uma onda transbordante de intelectualidade, pois em nossa esfera de existência tudo o que os seres humanos possuam em termos de intelectualidade ou inteligência deriva do Sol. O Sol é a fonte de toda a vida intelectual que opera a serviço do Espírito.
O pronunciamento desta verdade pode evocar certa resistência hoje, pois as pessoas corretamente não atribuem um grande valor ao intelecto em sua presente forma. Aqueles que têm algum entendimento da vida espiritual não dão grande importância à intelectualidade prevalente na era moderna. Ela é abstrata e formal, enchendo a mente humana com idéias e conceitos inteiramente distantes da realidade viva. Comparada à cálida, radiante e pulsante vida através do mundo e da humanidade, ela é fria, seca e infrutífera.
No que diz respeito à inteligência, entretanto, isto somente se aplica ao tempo presente, uma vez que estamos no início da época de Michael e o que possuímos como inteligência está apenas no começo de seu desenvolvimento na consciência humana geral. Com o tempo, essa inteligência assumirá um caráter totalmente diferente. A fim de perceber como a natureza da inteligência muda durante o curso da evolução humana, recordemos que na época medieval o filósofo cristão Tomás de Aquino ainda falava de Seres, de “Inteligências Planetárias”, inteligências habitando as estrelas. Em contraste com a visão materialista que hoje vigora, nós mesmos também consideramos as estrelas como colônias de seres espirituais. Isto pode parecer estranho e artificial aos ouvidos do homem moderno que não tem a mais remota idéia de que ao contemplar as estrelas olha para Seres que se relacionam de certo modo com sua própria vida, e que habitam as estrelas da mesma forma como nós habitamos a Terra.
No século treze, quando Tomás de Aquino falou de Seres nas estrelas, ele atribuiu a cada estrela um Ser Único, da mesma forma como a humanidade terrena poderia ser considerada como uma unidade se a Terra fosse observada de algum corpo celeste distante. Nós mesmos sabemos que as estrelas devem ser concebidas como colônias de Seres no Cosmo. Tomás de Aquino não falava de seres específicos ou números de seres habitando as estrelas, mas quando se referia às “Inteligências” das estrelas, esta autoridade da doutrina cristã medieval estava dando continuidade a uma tradição que naquele tempo já estava quase morrendo. Isto é uma indicação de que o que é compreendido por inteligência hoje foi outrora compreendido de maneira inteiramente diferente.
Em tempos muito antigos os seres humanos não produziam seus pensamentos a partir de si mesmos. Quando eles pensavam sobre as coisas do mundo, seus pensamentos não eram produto de sua própria atividade interior. A faculdade do pensar, a propriedade de formar os pensamentos só veio a se desenvolver plenamente a partir do século XV, desde a entrada da Alma da Consciência na evolução da humanidade. Em tempos mais remotos, pré-cristãos, jamais teria ocorrido às pessoas acreditar que pudessem formar seus próprios pensamentos; elas não se sentiam responsáveis pela formação de seus pensamentos, mas antes, que eles lhes eram revelados a partir das coisas do mundo. Elas sentiam: a inteligência é universal, cósmica; ela está contida nas coisas do mundo; o conteúdo inteligente das coisas, o pensamento vivente nas coisas do mundo é percebido, tal como as cores são percebidas; o mundo é pleno de inteligência, permeado em toda parte pela Inteligência. No curso da evolução a humanidade adquiriu uma gota da Inteligência que se espalha e permeia todo o universo. Esta era a concepção de antigos tempos.
E assim os seres humanos estavam conscientes todo o tempo de que seus pensamentos eram revelados a eles, eram-lhes inspirados. Ou seja, as pessoas atribuíam Inteligência somente ao Universo, não a si mesmas.
Através das eras, o regente da Inteligência Cósmica, que se derrama como luz sobre todo o mundo, foi sempre o Espírito conhecido pelo nome de Michael. Michael é o Regente da Inteligência Cósmica. Contudo, após o Mistério do Golgotha ocorreu algo de profundo significado para o domínio de Michael sobre a Inteligência Cósmica, fazendo com que ela gradualmente deixasse sua esfera. Desde os primórdios da Terra, Michael tem administrado a Inteligência Cósmica. E no tempo de Alexandre e Aristóteles quando os seres humanos tinham consciência dos pensamentos – isto é, do conteúdo da inteligência dentro deles -- eles não consideravam estes pensamentos como seus próprios, como pensamentos auto-forjados. Eles os sentiam como revelação dada a eles pelo poder de Michael, embora naquela era pagã este ser fosse conhecido por um nome diferente. Este conteúdo que hes preenchia o pensamento então gradualmente deixou a esfera de Michael. E se nós olharmos dentro do mundo espiritual veremos que por volta do século VIII/ IX, a descida da Inteligência do Sol para a Terra se consumou. No século IX as pessoas já começavam aqui e ali, como precursores dos que viriam mais tarde, a desenvolver uma inteligência pessoal própria. A inteligência começou a criar raízes nas almas de seres humanos individuais. E assim, olhando desde o Sol para a Terra, Michael e suas hostes podiam dizer: “Aquilo que regemos através dos tempos retirou-se de nosso domínio, fluiu para baixo e pode agora ser encontrado nas almas humanas na Terra.”
Tal era a atmosfera, o sentimento prevalente na comunidade Michaélica sobre o Sol. Durante a era de Alexandre e por uns poucos séculos antes dela, Michael exercera sua regência prévia. Por ocasião do Mistério do Golgotha, entretanto, Michael e suas hostes estavam na esfera solar e de lá testemunharam a partida do Cristo do Sol; eles não testemunharam, como aqueles que se encontravam embaixo, a chegada do Cristo à Terra. Michael e suas hostes testemunharam a partida do Cristo e ao mesmo tempo viram que seu domínio sobre a Inteligência foi gradualmente se retirando de seu alcance.
Logo após o Mistério do Golgotha, portanto, o curso do desenvolvimento se deu da seguinte forma: Cristo desceu à Terra e viveu em união com ela. Até o século VIII ou IX a Inteligência Cósmica foi pouco a pouco descendo à Terra; e as pessoas começaram a atribuir o que elas chamavam de conhecimento – o que elas desenvolviam em seus pensamentos – à sua própria inteligência. Michael viu que aquilo que ele administrara por tempos encontrava-se agora nas almas humanas. E assim a comunidade michaélica compreendeu: “Durante nosso próximo período de regência – que se iniciará no último terço do século XIX – quando nossos impulsos uma vez mais serão lançados sobre a civilização terrestre, nós teremos de buscar sobre a terra a Inteligência que desceu dos céus, a fim de podermos novamente administrar – agora nos corações e almas humanos – o que por anos regemos desde o Sol”. Deste modo a comunidade michaélica preparou-se para encontrar nos corações humanos o que caíra de seu domínio e que sob a influência do Mistério do Golgotha também tomara o caminho, embora lentamente, do céu para a Terra.
Eu agora gostaria de indicar brevemente como Michael e suas hostes se empenharam para que, com o início de sua nova era de regência, eles pudessem uma vez mais retomar o domínio sobre a Inteligência que descera dos céus. Desse momento em diante, Michael que buscava desde o Sol aqueles que na Terra percebiam o espiritual no cosmo, desejava estabelecer sua cidadela nas almas e corações dos seres humanos terrenos. Isto deve acontecer em nossa época. O Cristianismo deve ser conduzido a um reino de verdades mais profundas, visto que o entendimento do Cristo como Ser Solar deve surgir entre os homens com a ajuda de Michael, o Espírito Solar que foi sempre o regente da Inteligência cósmica, e que já não pode agora administrá-la do Cosmos, mas deseja no futuro regê-la através dos corações humanos.
Ao procurar descobrir a origem e a fonte da Inteligência qualquer que seja a forma em que ela se revele, as pessoas olham hoje para a cabeça humana porque tendo descido dos céus para a Terra, a Inteligência tece dentro da alma e se manifesta internamente por meio da cabeça. Não foi sempre este o caso; houve tempo em que os seres humanos buscavam a Inteligência ou sua essência tal como ela se revelava desde o Cosmos. Em tempos antigos as pessoas procuravam a inteligência não pelo desenvolvimento das faculdades da cabeça, mas buscando as inspirações transmitidas a elas pelas forças cósmicas.
Um exemplo de como a humanidade de outras épocas buscava a Inteligência Cósmica pode ser encontrado quando se visita, como fizemos nós no último domingo, aquele local em Tintagel que foi uma vez o sítio do Castelo do Rei Arthur e onde Arthur e seus companheiros exerceram um poder de enorme significado para a Europa.
A partir dos relatos contidos em documentos históricos não será fácil formar uma verdadeira concepção das tarefas e missão do Rei Arthur e sua Távola Redonda, como era chamada. Isto, no entanto, torna-se possível quando se permanece no real sítio do castelo e se contempla com o olho do espírito toda a extensão do mar que o rochedo de permeio parece dividir em dois. Ali, por um lapso de tempo relativamente curto, pode-se perceber o maravilhoso relacionamento entre a luz e o ar, e também os seres elementais viventes na luz e no ar. Pode-se ver seres espirituais fluindo à Terra nos raios de sol, pode-se vê-los refletidos nas cintilantes gotas de chuva, pode-se ver o que se encontra sob o domínio da gravidade aparecendo no ar como espíritos do ar mais densos. E novamente, quando a chuva para, e os raios de sol voltam a brilhar através do ar cristalino, pode-se perceber os espíritos elementais entremesclando-se de maneira bem diferente. Ali se pode testemunhar como o sol atua sobre a substância terrestre, e observando tudo isso de um lugar como este, é como se fôssemos tomados de uma espécie de piedade pagã – não cristã, mas pagã, que é algo totalmente diferente. A piedade pagã é uma entrega do coração e dos sentimentos à multiplicidade de seres atuantes nos processos da natureza.
Em meio às condições da vida social moderna não é possível para as pessoas, de um modo geral, aperceber-se dos processos que vêm à expressão no curso das forças da natureza. Estas coisas só podem ser penetradas pelo conhecimento iniciático. Mas vocês devem compreender que cada conquista e avanço espiritual dependem fundamentalmente de alguma condição essencial.
No exemplo que lhes dei esta manhã para ilustrar como o conhecimento do fenômeno material pode ser incrementado e expandido, eu falei do entretecimento e da harmonização do carma de dois seres humanos como um fator necessário. E nos dias do Rei Arthur e aqueles à sua volta, condições especiais também eram requeridas para que a espiritualidade tão maravilhosamente revelada e nascida pelo movimento do mar nos rochedos pudesse fluir para suas tarefas e missão.
Este inter-relacionamento entre o ar transpenetrado pela luz do sol e as ondas espumantes se mantém ainda hoje. Sobre o mar e as rochas deste lugar, a natureza ainda transborda de espírito. Mas apoderar-se das forças espirituais atuantes na natureza estaria além das possibilidades de um único indivíduo. Um grupo era necessário, um grupo cujo membro que se sentisse representante do sol deveria estar no centro, e cujos doze companheiros eram treinados de sorte que no temperamento, disposição e maneira de agir, todos juntos formassem um todo duodécuplo: doze indivíduos reunidos como as constelações zodiacais agrupadas ao redor do sol. Tal era a Távola Redonda: o Rei Arthur ao centro, circundado pelos doze, sendo que acima de cada um deles um símbolo zodiacal estava disposto, indicando a qualidade particular da influência cósmica com a qual estava associado. Forças civilizatórias partiram deste lugar para a Europa. Foi aqui que o Rei Arthur e seus doze Cavaleiros extraíram do Sol para dentro de suas almas as forças para apresentar em suas poderosas expedições através da Europa em batalhas contra os poderes selvagens e demoníacos que ainda dominavam grandes massas da população, expulsando-os dos seres humanos. Sob a direção do Rei Arthur estes Doze batalhavam pela civilização exterior.
Para compreender o que os doze sentiam acerca de si mesmos e sua missão, devemos lembrar que naqueles tempos as pessoas não se reconheciam como portadoras de uma inteligência pessoal própria. Elas não diziam: “Eu formo meus pensamentos; meus pensamentos estão preenchidos com minha própria inteligência”. As pessoas experimentavam a inteligência como revelação, e buscavam esta revelação mediante a formação de grupos como o que acabei de descrever – um grupo de doze ou treze. Ali eles assimilavam a Inteligência que lhes possibilitava dar direção e definição aos impulsos necessários à civilização. E este grupo também sentia que realizava seus feitos a serviço do poder conhecido na terminologia hebraico-cristã como Michael. Toda a configuração do castelo de Tintagel indica que os doze sob a direção de Arthur eram essencialmente uma comunidade Michaélica, pertencendo à era em que Michael ainda regia a Inteligência Cósmica.
Esta foi comunidade que verdadeiramente por mais tempo que qualquer outra trabalhou para assegurar que Michael mantivesse seu domínio sobre a Inteligência Cósmica. Nas ruínas do castelo do Rei Arthur hoje, a crônica do Akasha ainda preserva as imagens das pedras caindo daqueles que haviam sido tão poderosos portais, e estas pedras caindo tornam-se uma imagem para a queda da Inteligência Cósmica, retirando-se das mãos de Michael para as mentes e corações dos seres humanos.
Num outro lugar, esta corrente Arturiano-Michaélica tem seu contraste polar na corrente do Graal, da qual nos fala a lenda de Parsival. Esta outra corrente veio à existência em um lugar onde uma forma mais íntima de Cristianismo buscara refúgio. Na corrente do Graal também, nós temos Doze ao redor de Um, mas neste caso, considera-se que a Inteligência – os pensamentos preenchidos pela Inteligência – já não fluem como revelação do Céu para a Terra. O que agora flui descendentemente, quando comparado aos pensamentos terrenos, se parece com o puro tolo, Parsival. Assim, a corrente do Graal entende que a Inteligência deve agora ser buscada dentro da esfera terrena apenas.
Lá ao norte, fica o Castelo de Arthur, onde os seres humanos ainda se votam à Inteligência Cósmica, esforçando-se para imprimir a Inteligência pertencente ao Universo na civilização terrena. E mais ao sul, encontra-se o outro castelo, o Castelo do Graal, no qual a Inteligência já não é absorvida do Céu, onde se compreende que o que é sabedoria ante a humanidade é tolice diante de Deus e o que é sabedoria diante de Deus é tolice perante os homens. O impulso procedente deste outro castelo ao sul, busca penetrar a Inteligência que já não é Inteligência Cósmica.
E assim, em tempos antigos e prosseguindo para a era em que o Mistério do Golgotha ocorreu na Ásia, encontramos na corrente de Arthur um esforço intenso para assegurar o domínio Michaélico sobre a Inteligência, enquanto na corrente do Graal, que emergiu da Espanha, encontramos um esforço que leva em conta o fato de que a Inteligência deve no futuro ser encontrada na Terra, uma vez que já não flui do Céu. A importância do que acabei de descrever-lhes transparece em toda a lenda do Graal.
O estudo destas duas correntes traz à luz a grande questão surgida da situação histórica daquele tempo. Os seres humanos são confrontados com as conseqüências – os pós-efeitos – de ambos os princípios: o Arturiano e o do Graal. A questão é : Como é que o próprio Michael, não um ser humano como Parsival, mas o próprio Michael, pode encontrar o caminho que leva dos cavaleiros de Arthur que procuram assegurar-lhe a soberania cósmica, para os cavaleiros do Graal, que intentam preparar o caminho para Ele nos corações e almas humanos a fim de que Ele possa desse modo retomar a Inteligência? Aqui o grande problema de nossa era toma forma: Como pode a nova era de Michael produzir um entendimento mais profundo do Cristianismo? De forma arrebatadora esta questão nos confronta, marcada pelo contraste entre os dois castelos: aquele do qual as ruínas podem ser vistas ainda hoje em Tintagel, e o outro castelo que não será facilmente visto por olhos humanos, uma vez que no reino espiritual ele está envolto como que por uma floresta sem trilha, com sessenta léguas de cada lado.
Entre estes dois castelos paira a grande questão: Como pode Michael tornar-se o doador do impulso que conduzirá a uma compreensão mais profunda das verdades do Cristianismo?
Ora, não seria correto dizer que os cavaleiros do Rei Arthur não lutavam por Cristo e pelo verdadeiro impulso Crístico. Simplesmente acontece que eles traziam em si um impulso para buscar o Cristo no Sol e não abandonariam sua convicção de que o Sol era a fonte do Cristianismo. Daí seu sentimento de estarem trazendo o Céu para a Terra, de que as batalhas de Michael eram travadas por Cristo que atua desde os raios do Sol. Mas na corrente do Graal, o impulso Crístico é expresso de forma diferente. Ali as pessoas tomam consciência de que o impulso Crístico, tendo descido à Terra, deve daí em diante ser levado a efeito por meio dos corações humanos. Pois elas estavam convencidas de que a Essência espiritual do Sol se unira à evolução terrestre.
Eu já lhes falei em outras ocasiões de indivíduos que no século XII ensinavam e atuavam na Escola de Chartres, onde ensinamentos, ainda inspirados por uma elevada e sublime espiritualidade, eram transmitidos. Falei-lhes em particular dos mestres da Escola de Chartres, entre eles, Bernardus Sylvestris, Bernard de Chartres, Alanus ab Insulis – e ainda havia outros, também rodeados por um grande círculo de pupilos. Recordando-nos do que era especialmente característico destes mestres em Chartres, poderíamos dizer: Em certa medida eles ainda preservavam consigo as antigas tradições da natureza de vitalidade fecundante em oposição a uma natureza material abstrata e sem vida. E esta era a razão pela qual ainda pairavam sobre a Escola de Chartres elementos daquele Cristianismo Solar que os heróis da Távola Redonda, como cavaleiros de Michael, lutavam para implantar como impulso no mundo.
De maneira notável a Escola de Chartres encontrava-se a meio caminho entre o princípio Arturiano do Norte e o princípio do Graal mais ao Sul. E como imagens lançadas pelo castelo do Rei Arthur e pelo castelo do Graal, impulsos invisíveis, supra-sensíveis abriram caminho, não tanto para o cerne dos ensinamentos, senão que para toda a atitude e disposição de alma reinante entre os pupilos que se reuniam com grande entusiasmo nos salões de conferência de Chartres– como seriam hoje chamados. Naqueles tempos o Cristianismo apresentado por estes mestres era tal que Cristo era concebido como o sublime Espírito Solar que aparecera em Jesus de Nazaré. De sorte que quando os mestres falavam do Cristo eles viam seu impulso em ação na evolução terrena nos termos da idéia do Graal, e ao mesmo tempo também viam n’Ele o impulso que descera do Sol.
O que é revelado à observação espiritual como essência e nota chave dos ensinamentos dados em Chartres não pode ser descoberto a partir dos textos literários que sobreviveram ao tempo e foram atribuídos aos conhecidos Mestres desta Escola. Para um moderno estudioso tais escritos parecem não passar de glossários de nomes. Mas nas breves sentenças que se interpõem entre as incontáveis designações, nomes, definições, aqueles que lêem com penetração espiritual poderão discernir a profunda espiritualidade, o profundo insight que ainda possuíam os Mestres de Chartres.
Em direção ao final do século XII, estes professores passaram através do portal da morte para o mundo supra-sensível. E lá eles se uniram a uma outra corrente, a qual também estava ligada à antiga era de Michael, mas que considerava plenamente como verdade central do Cristianismo, que o impulso do Cristo descera dos Céus à Terra. No mundo espiritual, os mestres de Chartres entraram em contato com tudo o que os antigos Aristotélicos haviam alcançado em preparação para o Cristianismo como resultado das expedições de Alexandre à Ásia. Eles inclusive entraram em contato com a própria individualidade que vivera como Aristóteles, bem como a de Alexandre – que estavam então no mundo espiritual. O impulso do qual estas duas individualidades eram portadoras não podia se manifestar na Terra naquele tempo porque para isso era necessário o abandono do antigo Cristianismo inspirado pela natureza, que ainda se refletia nos ensinamentos de Chartres, nos quais, assim como na Távola Redonda de Arthur, o Cristianismo pagão, pré-cristão prevalecia. Nos dias de Chartres não era possível para os Aristotélicos – aqueles que haviam estabelecido e promovido o Alexandrismo – estar na Terra. Seu tempo viria mais tarde, começando no século XIII.
No intervalo que se deu, entretanto, sucedeu algo de grande significado. Quando os mestres de Chartres e os que estavam associados a eles passaram pelo umbral da morte ao mundo espiritual, eles se reuniram com as almas daqueles que se preparavam para descer ã Terra e que seriam levados por seu carma à Ordem que, sobretudo, estava conectada com o cultivo do conhecimento em sua forma Aristotélica __ os Dominicanos. Os representantes de Chartres se juntaram então àqueles que se preparavam para uma nova existência.
Usando palavras triviais da linguagem contemporânea, eu vou então descrever-lhes o que se passou. Na virada do século XII para XIII, ou no início do século XIII – uma espécie de conferência teve lugar entra as almas dos que acabavam de chegar ao mundo espiritual e aquelas que estavam prestes a descer. E chegaram a um solene acordo, no qual o Cristianismo Solar tal como expresso, por exemplo, no princípio do Graal e também nos ensinamentos de Chartres deveria agora unir-se com o Aristotelismo. Aqueles que desceram à Terra tornaram-se os fundadores da Escolástica, cujo significado espiritual jamais foi realmente acessado, e no qual, a princípio, as pessoas esperavam ganhar o dia por sua visão de imortalidade pessoal no sentido cristão advogando-a da maneira mais extrema e radical. Os mestres de Chartres punham menos ênfase sobre este princípio da imortalidade humana pessoal. Eles falavam menos de uma imortalidade pessoal, individual, do que faziam os Dominicanos Escolásticos. Eles ainda se inclinavam à visão segundo a qual a alma tendo passado pelo portal da morte retorna ao seio do Divino.
Muitos acontecimentos significativos estiveram ligados ao que aqui se passou. Por exemplo: Quando um dos Escolásticos descera à Terra do mundo espiritual para trabalhar em prol da disseminação do Cristianismo em forma Aristotélica, ele ainda não era, a princípio, plenamente capaz de compreender a essência do princípio do Graal. O carma o havia predisposto a isto. E esta é a razão para o aparecimento relativamente tardio da versão de Wolfram Von Eschenbach da história do Graal. Outra alma que desceu à Terra um pouco depois desta primeira trouxe consigo o impulso que era necessário e dentro da Ordem Dominicana, deliberações foram tomadas entre o dominicano mais jovem e o mais velho acerca da forma como o Aristotelismo poderia se unir com o Cristianismo que, inspirado na natureza, prevalecia na corrente dos mistérios Arturianos.
Então veio o tempo em que aquelas individualidades que viveram como mestres na Ordem Dominicana deviam retornar ao mundo espiritual. E agora um grande acordo se deu sob a liderança do próprio Michael que, olhando para a Inteligência que ora se encontrava na Terra, reuniu em torno de si Seres Espirituais pertencentes aos mundos supra-sensíveis, uma grande legião de seres elementais e muitas, muitas almas humanas desencarnadas que ansiavam por uma renovação do Cristianismo.
Porém era ainda muito cedo para que isto se realizasse no mundo fisico. Assim uma grande e poderosa Escola supra-sensível foi instituída sob a direção de Michael, abarcando todas aquelas almas em quem os impulsos do paganismo ainda ecoavam, mas não obstante ansiavam pelo Cristianismo, e aquelas almas que haviam vivido na Terra durante os primeiros séculos da cristandade e que traziam consigo em seu íntimo o cristianismo na forma que ele assumira então. Uma legião de seres michaélicos reuniu-se em reinos supra-sensíveis recebendo no mundo espiritual os ensinamentos que haviam sido transmitidos pelos mestres Michaelitas no tempo de Alexandre, o grande, no tempo da tradição do Graal e que também se fizeram sentir nos impulsos que emanaram da Távola Redonda do Rei Arthur.
As almas cristãs de todo tipo e qualidade sentiram-se atraídas por esta comunidade Michaélica em que, de um lado, profundos ensinamentos eram transmitidos acerca dos antigos mistérios e dos impulsos atuantes em outros tempos enquanto, de outro lado, uma visão do futuro era-lhes descortinada – quando, no último terço do século XIX Michael novamente atuaria como Espírito da época e quando todos os ensinamentos dados em sua Escola Celeste sob sua própria condução deveriam ser levados para a Terra.
Se vocês procurarem as almas que se reuniram em torno desta Escola de Michael naquele tempo, preparando-se para um período posterior quando se encarnariam, vocês as encontrarão entre elas muitos dos que agora sentem um impulso para se vincular ao movimento Antroposófico. O carma guiou estas almas. Na vida entre a morte e um novo nascimento eles se juntaram em torno do Ser de Michael preparando-se para levar à Terra uma vez mais um Cristianismo Cósmico.
O carma de muitas almas que se ligam à Antroposofia com real sinceridade está conectado com estes antecedentes e condições preliminares. É isto que faz do Movimento Antroposófico um verdadeiro movimento Michaélico, um movimento predestinado a levar o Cristianismo a uma renovação. Isto jaz no carma do Movimento Antroposófico. Isto está também no carma de muitos indivíduos que vêm com sinceridade a este movimento. Levar ao mundo o impulso de Michael que pode desta forma ser configurado em sua concreta realidade, e que é anunciado como um sinal na Terra hoje, e também se expressa no maravilhoso intercurso das forças da natureza nas imediações das ruínas do Castelo de Arthur – esta é a tarefa do Movimento Antroposófico num sentido muito especial. Pois, ao longo dos séculos, o impulso de Michael deve encontrar seu caminho para o mundo dos seres humanos, se não quisermos que a civilização pereça na Terra.
Rudolf Steiner
Torquay, 21 de Agosto de 1924 (vol. VIII da coleção Karmic Relationships)