Filosofia enterrada na areia
Um pouco antes de um ataque romano destruir o monastério 
de Qumran, os essênios esconderam seus manuscritos em
potes de cerâmica e os enterraram em cavernas             Segundo          Josefo, os essênios existiam em grande número em diversas          cidades da Judéia. Mas algumas variações da seita          podem ter ocupado regiões ainda mais distantes. Uma comunidade          egípcia do século 1, os terapeutas, possuía um modo          de vida semelhante ao da seita de Qumran e a mesma divisão entre          luz e trevas. Também é possível que ebionitas e nazarenos,          duas das primeiras seitas cristãs, sejam descendentes dos essênios.          Há quem acredite que os nazarenos formaram uma grande comunidade          em Monte Carmel, no norte da Israel atual, que seguia os ensinamentos          de Qumran, mas com algumas diferenças. As regras seriam muito próximas          daquelas encontradas nos escritos de Szekely e Ouseley. Ao contrário          de Qumran, eles não praticavam o celibato e até mesmo formavam          famílias. Fanáticos pelo princípio de amar todos          os seres vivos, eram muito mais rigorosos em relação ao          vegetarianismo: não comiam peixes nem matavam os vegetais para          comer (comiam folhas de alface, por exemplo, sem arrancar o pé!).
Para os essênios,          as
refeições devem ser uma 
Comunhão com Deus
     “Eles viviam em tendas,          que mudavam Del lugar freqüentemente, pois construções          permanentes matariam a relva”, afirma Fernando Travi. Ele acredita          que Jesus, apesar de ter passado por Qumran, viveu muito mais tempo em          Monte Carmel. A região em que teria existido essa comunidade está          próxima ao local em que Jesus nasceu e realizou muitos de seus          milagres. Afirma também que Cristo não era conhecido como          “Jesus de Nazaré”, mas sim como “Jesus, o Nazareno”.
Algumas dessas comunidades essênias existem, de certa forma, até          hoje.
Flavio Josefo
                Historiador          judeu do século I, maior referência sobre os essênios          até a descoberta dos Manuscritos do Mar Morto.
A Filosofia Essênia
     Szekely          pesquisou o pensamento dos essênios durante toda a vida. Uma de          suas principais obras é a tradução de um manuscrito          encontrado em 1785 pelo historiador francês Constantine Volney em          viagens pelo Egito e pela Síria. É um diálogo entre          Josefo e o mestre essênio Banus a respeito das leis da natureza.          Eis alguns trechos:
         Bem - Tudo aquilo que preserva ou produz coisas para o mundo, como "o          cultivo dos campos, a fecundidade de uma mulher e a sabedoria de um professor".
              Mal - O que causa a morte,          como a matança de animais. Por esse motivo, o sacrifício          de bichos, mesmo que para a alimentação, é condenável.          
              Justiça - O homem          deve ser justo porque na lei da natureza as penalidades são proporcionais          às infrações. Deve ser pacífico, tolerante          e caridoso com todos, "para ensinar aos homens como se tornarem melhores          e mais felizes".
              Temperança - Sobriedade          e moderação das paixões são virtudes, pois          os vícios trazem muitos prejuízos à saúde.
              Coragem - Ela é          essencial para "rejeitar a opressão, defender a vida e a liberdade".
              Higiene - Uma outra virtude          essencial dos essênios é a limpeza, "para renovar o          ar, refrescar o sangue e abrir a mente à alegria".
              Perdão - No caso          de as leis não serem cumpridas, a penitência é simples.          Banus afirma que, para se obter perdão, deve-se "fazer um          bem proporcional ao mal causado".
         
              Na          região sul do Iraque e do Irã, cerca de 38000 pessoas, os          mandeans, mantêm uma tradição muito semelhante à          doutrina essênia. Eles afirmam ser seguidores de João Batista          e praticam o batismo. Sua origem, no entanto, ainda não é          de todo compreendida.
     No Ocidente, o essenismo          surgiu com a divulgação dos escritos de Szekely e Ouseley.          Na sua época, Szekely quase abandonou seus planos de difundir a          doutrina quando a tradução rigorosa e detalhada que fez          do segundo volume do Evangelho Essênio da Paz não contou          com a aprovação de um amigo seu, o escritor Aldous Huxley,          autor de Admirável Mundo Novo. "Isto está muito, muito          ruim", disse-lhe Huxley, "é até pior do que o          mais chato dos tratados enfadonhos dos escolásticos, que ninguém          lê hoje em dia". Szekely ficou sem fala. Huxley continuou:          "Faça-a literária, legível e atraente para os          leitores do século XX. Tenho certeza de que os essênios não          falavam uns com os outros em notas de pé de página".          A critica abalou Szekely e ele pôs de lado o trabalho durante muito          tempo. Mas, anos mais tarde, seguiu o conselho do amigo e reescreveu o          manuscrito inteiro em linguagem contemporânea, mais coloquial. Foi          um sucesso. O livro, publicado em 1928, já foi traduzido para dezenas          de línguas e vendeu milhões de exemplares em todo o mundo.          Com o respaldo editorial, Szekely construiu em 1940 um spa no México          onde praticava tratamentos com base nas práticas essênias.          Cerca de 350.000 pessoas já se hospedaram no chamado Rancho La          Puerta nos seus sessenta anos de existência. Até hoje, muitas          pessoas vão ao lugar em busca de um estilo de vida baseado nos          ensinamentos de Szekely, que inclui exercícios, meditação          e, principalmente, dieta vegetariana.
     A alimentação          possui um papel central na doutrina encontrada nos evangelhos de Szekely          e Ouseley. Ao afirmarem que Jesus era frugívero, ou seja, que ingeria          apenas alimentos que não significavam a morte de nenhum ser vivo,          como folhas e frutos, eles pregam que as refeições devem          ser um momento de compaixão e comunhão com Deus. O contato          com a natureza é essencial. Tanto que os novos essênios (veja          o quadro nesta página) possuem uma planta em todos os cômodos          da casa.
     Os essênios permanecem          como um assunto vivo. Os pergaminhos e evangelhos que eles deixaram são          exaustivamente estudados por cientistas e religiosos do mundo inteiro.          Seus ensinamentos recrutam milhares de fiéis e, qualquer que seja          a relação que mantiveram com Cristo, deixaram, sem dúvida,          sua influência impressa no coração e na mente do cristianismo.
       Os Essênios          Hoje 
     Em          1984, o teólogo e filósofo americano Abba Nazariah fundou          a Igreja Essênia de Cristo na cidade de Creswell, no Estado do Oregon,          Estados Unidos. Tudo começou em 1966, quando tinha apenas 8 anos          de idade. Naquele ano, Abba, que então se chamava David Owen, teria          recebido a visita de Jesus Cristo, que, em carne e osso, teria lhe passado          a missão de preparar a sua segunda vinda à Terra. Mais tarde,          com 17 anos, Owen teria encontrado um egípcio de nome Zadok pedindo          carona numa estrada da Califórnia, sentado na posição          de lótus-a mesma do Buda. Ele afirmava ser um essênio e acabou          ajudando Owen a formar a nova igreja.
       
Abba Nazariah        

 
      Desde          então, Abba (o nome significa "pai" em aramaico) tem          professado sua teoria e recrutado muitos seguidores. Seus adeptos vivem          hoje de acordo com os ensinamentos contidos nas obras de Szekely e Ouseley.          Diferentemente dos antigos habitantes da Judéia, os fiéis          de hoje não habitam monastérios, mas, assim como os que          os precederam, estudam com rigor as escrituras sagradas e reservam o shabbath          ao descanso e às orações.
     Os novos essênios          são despojados. Vestem-se de branco, usam barba longa e cabelos          que em alguns casos tocam o chão. Pregam uma vida saudável          que passa por uma dieta absolutamente vegetariana e por exercícios          espirituais. Fazem relaxamentos, meditações e preces. O          reverendo Abba Nazariah foi treinado em várias técnicas          de Yôga, com especial ênfase no que considera a mais holística          e compreensível de todas, a ioga essênia - uma união          de dezesseis modalidades da prática indiana. "A saúde          depende do amor por todos os seres. Inclusive pelos animais", diz          o líder dos essênios americanos.
     Segundo a Igreja Essênia          de Cristo, depois de dez anos de constante aperfeiçoamento, os          féis se tornam aptos a receber a visita de Jesus. Eles também          acreditam em reencarnação. Para o psicólogo paulista          Fernando Travi, líder da igreja essênia no Brasil, "todas          as pessoas iniciadas estão aptas a conhecer suas vidas passadas".
     As atividades no Brasil          são mais modestas. Elas se resumem a reuniões semanais para          discutir a doutrina essênia e formas de melhorar a saúde          de acordo com os evangelhos de Ouseley e Szekely. "Os essênios          ensinam a nos relacionarmos melhor com a natureza e com o Cosmo",          afirma Travi.
Artigo retirado da revista          Super Interessante / agosto de 2000