sábado, 23 de julho de 2011

A UNIDADE

                                      I. A UNIDADE

A unidade é o princípio e a síntese dos números, é a idéia de Deus e do homem, é a aliança da razão e da fé.
A fé não pode ser oposta à razão, é exigida pelo amor, é idêntica à esperança. Amar é acreditar e esperar, e esse triplo ímpeto da alma é chamado virtude, porque é preciso coragem para realizá-lo. Mas haveria coragem nisso se a dúvida não fosse possível? Ora, poder duvidar é duvidar. A dúvida é a força equilibrante da fé e tem todo o seu mérito.
A própria natureza nos induz a crer, mas as fórmulas de fé são constatações sociais das tendências da fé numa época dada. É o que dá a infalibilidade à Igreja, infalibilidade de evidência e de fato.
Deus é necessariamente o mais desconhecido de todos os seres, uma vez que só é definido em sentido inverso de nossas experiências, é tudo o que não somos, é o infinito oposto ao finito por hipótese contraditória.
A fé e, por conseguinte, a esperança e o amor são tão livres que o homem, longe de impô-los aos outros, não os impõe a si mesmo.
São graças, diz a religião. Ora, será concebível que se exija a graça, isto é, que se queira forçar os homens ao que vem livre e gratuitamente do céu? É preciso desejar-lhes isso.
Raciocinar sobre a fé é disparatar, uma vez que o objeto da fé é externo à razão. Se me perguntam: "Existe um Deus?", eu respondo: "Acredito que sim." "Mas o senhor tem certeza disso?" "Se tivesse certeza, não acreditaria nele, eu o saberia."
Formular a fé é admitir termos da hipótese comum.
A fé começa onde a ciência acaba. Ampliar a ciência é aparentemente suprimir a fé, e, na realidade, é ampliar igualmente seu domínio, pois é ampliar sua base.
Só se pode adivinhar o desconhecido por suas proporções supostas ou passíveis de serem supostas do conhecido.
A analogia era o dogma único dos antigos magos. Dogma verdadeiramente mediador, pois é metade científico, metade hipotético, metade razão e metade poesia. Esse dogma foi e será sempre o gerador de todos os outros.
O que é o Homem-Deus? É o que realiza na vida mais humana o ideal mais divino.
A fé é uma adivinhação da inteligência e do amor dirigidos pelos índices da natureza e da razão.
Faz parte, portanto, da essência das coisas de fé serem inacessíveis à ciência, duvidosas para a filosofia e indefinidas para a certeza.
A fé é uma realização hipotética dos fins últimos da esperança. É a adesão ao signo visível das coisas que não se vê.

Sperandarum substantia rerum
Argumentum non apparentium

Para afirmar sem disparate que Deus existe ou não, é preciso partir de uma definição sensata ou insensata de Deus. Ora, essa definição para ser sensata deve ser hipotética, analógica e negativa do finito conhecido. Pode-se negar um Deus qualquer, mas o Deus absoluto não se nega tanto quanto não se prova; é sensatamente suposto e nele se acredita.
Bem-aventurados os que têm o coração puro, pois verão a Deus, disse o Mestre; ver com o coração é acreditar e, se essa fé se relaciona ao verdadeiro bem, não pode ser enganada contanto que não procure definir muito seguindo as induções arriscadas da ignorância pessoal. Nossos julgamentos, em matéria de fé, aplicam-se a nós mesmos, será para nós como tivermos acreditado. Isto é, nós próprios nos fazemos à semelhança de nosso ideal.
Quem faz os deuses torna-se semelhante a eles, assim como todos aqueles que lhes dão sua confiança.
O ideal divino do velho mundo fez a civilização que acabou, e não se deve desesperar ao ver o deus de nossos bárbaros pais tornar-se o diabo de nossos filhos mais esclarecidos. Fazem-se diabos com deuses de refugo, e Satã só é assim tão incoerente e tão disforme porque é feito com todos os retalhos das antigas teogonias. É a esfinge sem palavra, é o enigma sem solução, é o mistério sem verdade, é o absoluto sem realidade e sem luz.
O homem é o filho de Deus, porque Deus, manifestado, é chamado o filho do homem.
Foi depois de ter feito Deus em sua inteligência e seu amor que a humanidade compreendeu o verbo sublime que disse: Faça-se a luz!
O homem é a forma do pensamento divino, e Deus é a síntese idealizada do pensamento humano.
Assim, o Verbo de Deus é o que revela o homem, e o Verbo do homem é o que revela Deus.
O homem é o Deus do mundo, e Deus é o homem do céu.
Antes de dizer: Deus quer, o homem quis.
Para compreender e honrar Deus todo-poderoso, é preciso que o homem seja livre.
Obedecendo e abstendo-se por temor ao fruto da ciência, tendo sido inocente e estúpido como o cordeiro, curioso e rebelde como o anjo de luz, o homem cortou o cordão de sua ingenuidade e, caindo livre sobre a terra, arrastou Deus em sua queda.
E é por isso que, do fundo dessa queda sublime, revela-se glorioso com o grande condenado do calvário e entra com ele no reino do céu.
Pois o reino do céu pertence à inteligência e ao amor, ambos filhos da liberdade!
Deus mostrou ao homem a liberdade como uma amante, e, para pôr seu coração à prova, fez passar, entre ela e ele, o fantasma da morte.
O homem amou e sentiu-se Deus; deu por ela isto que Deus acabava de nos dar: a esperança eterna.
Lançou-se em direção de sua noiva através da sombra da morte e o espectro desapareceu.
O homem possuía a liberdade; tinha abraçado a vida.
Expia agora tua glória, ó Prometeu!
Teu coração devorado sem cessar não pode morrer; é o teu abutre e Júpiter que morrerão.
Um dia despertaremos enfim dos sonhos penosos de uma vida atormentada, a obra de nossa provação terá acabado, seremos fortes o bastante contra a dor para sermos imortais.
Então viveremos em Deus, numa vida mais abundante, e desceremos às suas obras com a luz de seu pensamento, seremos levados ao infinito pelo sopro de seu amor.
Seremos, sem dúvida, os primogênitos de uma nova raça; anjos do porvir.
Mensageiros celestes, vogaremos na imensidão e as estrelas serão nossas brancas naus.
Transformar-nos-emos em doces visões para acalmar os olhos dos que choram; colheremos lírios resplandecentes em prados desconhecidos e espargiremos seu orvalho sobre a terra.

Tocaremos a pálpebra da criança que dorme e alegraremos docemente o coração de sua mãe com o espetáculo da beleza de seu filho bem-amado.                                                                                              extraido de achave dos grandes misterios
por Eliphas Levi

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